quinta-feira, 15 de fevereiro de 2007

Quem diz a verdade...

Breves notas redigidas em nome dos representantes do PS, para contributo da Comissão de Ambiente e Qualidade de Vida, na reunião das Comissões com a CML sobre o projecto de Revitalização da Baixa-Chiado, elaboradas pela Deputada Municipal Sofia Oliveira Dias a partir de um texto do Arquitecto Rui Valada.

O Relatório apresentado pelo Comissariado da Baixa-Chiado em 20 de Setembro de 2006 sobre o projecto de recuperação, reabilitação e revitalização desta zona da cidade constitui, sem dúvida, um esforço meritório de sistematização de “ideias”, “estudos” e “projectos” que têm vindo a ser objecto de discussão ao longo dos últimos anos.

A primeira observação a fazer tem a ver com o esquecimento a que é votado todo o contributo anterior à constituição do Comissariado, nomeadamente:
- Parecer sobre a Construção em Subsolo na Baixa Pombalina, efectuado pela Segadães Tavares & Associados do Eng. António Segadães Tavares;
- Estudo de Acessibilidade e Transportes da Baixa Pombalina, elaborado pelo Agrupamento Complementar de Empresas (ACE) TIS - Transportes, Inovação e Sistemas do Eng. José Manuel Viegas e do Eng. Vasco Colaço;
- Estudo sobre Sistemas de Apoio às Deslocações Pedonais na Baixa de Lisboa, elaborado pelo CESUR – Centro de Sistemas Urbanos e Regionais, cuja equipa foi coordenada pelo Eng. Fernando Nunes da Silva;
- Estudo sobre A Baixa-Chiado e o Turismo na Cidade de Lisboa elaborado pela Think Tur – Estudos e Gestão de Empreendimentos Turísticos, Lda, cujos autores não aparecem identificados;
- Estudo sobre a Caracterização da Qualidade do Ar na Área da Baixa-Chiado, efectuado por uma equipa da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa, coordenada pelo Eng. Francisco Ferreira;
- Estudo de Soluções Construtivas e Sistemas Inovadores para a Baixa-Chiado e zonas envolventes, efectuado pela NaturalWorKs – Engineering Consultants, cujo autor é o Eng. Guilherme Carrilho da Graça.

Relativamente ao proposto em termos de modelo institucional, “a criação de uma única “entidade” para gerir o espaço de intervenção, reunindo para o efeito as necessárias competências governamentais e camarárias” é um dado de que se parte e não se procura sequer encontrar outras soluções ou analisar as potencialidades das que já existem, designadamente não se averigua sequer se a actual SRU pode desenvolver, e como, o projecto de revitalização da Baixa-Chiado.

De igual modo, não fica explícito o que acontece à Unidade de Projecto da Baixa-Chiado e à equipa que tem trabalhado a Candidatura da Baixa-Chiado a Património Mundial, nem é referida qualquer articulação com a Agência para a Promoção da Baixa-Chiado, constituída em 2001, e de que a CML é um dos associados fundadores.

Outra fonte de preocupação é o modo como é encarado o planeamento urbanístico. Como medida preventiva, prevê-se tão-somente “a sujeição das intervenções a prévio parecer do IPPAR” como se esse parecer não fosse já obrigatório ainda que não existissem medidas preventivas! Isto significa apenas que não se propõe qualquer tipo de medida preventiva e, suspensa a aplicação do PDM, tudo é possível.

Mais, tudo isto é feito e decidido sem que se saiba quando e como são ouvidos os lisboetas e as suas associações. Não se prevê qualquer tipo de participação e discussão pública do projecto que vai mudar a face da cidade.

O financiamento das operações é outro aspecto que merece atenção já que está dito que “o modelo institucional assume que o investimento público a realizar que não se encontra já previsto nos planos de actividade das várias entidades não deve ser efectuado com exigências ao Estado ou ao Município: a Sociedade Gestora e as suas participadas deverão encontrar meios de financiamento para os investimentos que tenham por contrapartida as receitas que esse investimento irá gerar” .

Por outro lado, não se entende a afirmação de que “o financiamento a contrair pela SGU não releva para o endividamento municipal”. Apesar da explicação dada quanto à não aplicabilidade das disposições legais, parece-nos que se trata aqui de um expediente que não resistirá a uma análise mais cuidada das entidades competentes, cabendo ao Ministro das Finanças uma ponderada análise do esquema proposto que parecer contrariar as regras de transparência, de rigor e de contenção das finanças públicas.

Em termos de organização do espaço, a área de intervenção não se apresenta devidamente justificada e a área descrita no ponto 2.1 não coincide com a indicada nas plantas, nas quais a frente ribeirinha se estende até Santa Apolónia. A Norte, chega ao elevador da Glória, incluindo a Praça dos Restauradores, o que extravasa os limites da Baixa-Chiado tanto mais que entronca na área abrangida pelo Plano de Urbanização da Av. da Liberdade e Zonas Envolventes (PUALZE).

A proposta de instalação de um hotel de luxo no Terreiro do Paço, no quarteirão a poente do Arco da Rua Augusta, deverá ser melhor analisada já que esses edifícios se encontram a ser utilizados, designadamente está aí instalado o Supremo Tribunal de Justiça, e outros existem em pior estado de conservação e utilização menos relevante, como é o caso das instalações do Ministério da Agricultura, situadas na ala poente do Terreiro do Paço, que poderão ser adaptados a esse fim.

O estacionamento aparece como uma preocupação constante ao longo do relatório, o que contraria as soluções previstas para a redução do fluxo do tráfego. Não parece adequado que se preveja a disponibilização de dois dísticos de estacionamento por fogo quando já se fala na imposição, no resto da cidade, de apenas um dístico. Também não se compreende a necessidade de construir um parque de estacionamento em pleno Terreiro do Paço, que se pretende libertar de circulação automóvel, quando outro vai ser construído ali ao lado, no Campo das Cebolas.

Um dos projectos mais realçados no relatório é o da construção da Circular das Colinas, constituída por um conjunto de vias já existentes, a completar por um conjunto de trechos em túnel.

Ainda que no relatório se diga que se pretende manter o carácter urbano destas ruas e avenidas, tal afirmação entra em contradição com a necessidade de aumentar a sua capacidade e fluidez por forma a absorver, para além do tráfego que já hoje aí circula, todo o tráfego que atravessa a Baixa e que se pretende que no futuro venha a usar esta circular. Os impactes negativos que daí decorrerão não estão devidamente avaliados e não se compreende que se fale em transformar a segunda circular numa via urbana e, por outro, se altere radicalmente a função e o carácter de ruas e avenidas residenciais para as transformar em canais de circulação viária.

O modo de financiamento da construção da Circular das Colinas levanta as maiores dúvidas já que não se percebe quem o vai suportar efectivamente, sendo certo que as três soluções apontadas acabam sempre por depender do financiamento do Município. A menos que se admita o estabelecimento de portagens, uma à entrada da Av. Infante Santo e outra no início da Av. Mouzinho de Albuquerque.


Sofia Oliveira Dias

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