quinta-feira, 22 de fevereiro de 2007

O pragmatismo do "Público"

Adiamento da exigência de ida às urnas pelas forças partidárias pode redundar no aumento do “cinismo político” por parte dos eleitores

A situação que se vive na Câmara de Lisboa é insustentável e a ida às urnas para eleições intercalares inevitável. Pelo menos, é isso que pensam vários analistas ouvidos pelo Público sobre a crise que se vive na maior autarquia do país.

Esta Câmara está ferida de morte do ponto de vista da sua capacidade de acção”, considera o especialista em sociologia política André Freire, que julga ser “mais do que duvidosa” a “estratégia calculista de curto prazo” do líder do PSD, Marques Mendes, de querer manter a todo o custo um executivo camarário “sem condições para continuar em funções”.

O sociólogo Manuel Villaverde Cabral pensa também que a ida às urnas é uma inevitabilidade e só estranha que o actual cenário não tenha surgido há mais tempo, numa cidade dominada nas últimas três décadas “pela especulação imobiliária desenfreada ligada ao financiamento partidário, pela corrupção e pela perda de população” – “à excepção dos tempos de Jorge Sampaio”. O analista diz que o papel que os maiores partidos têm desempenhado nesta crise, evitando exigir eleições por questões de conveniência estratégica, pode resultar no aumento do cinismo político dos eleitores: “Passam a pensar: ‘As forças políticas são todas iguais, não vale a pena. ‘” Esse é também o raciocínio do especialista em ciência política António Costa Pinto: se os partidos tradicionais continuarem a desapontar a sociedade civil, corre-se o risco de “os seus sentimentos anti-políticos associados à passividade e ao desinteresse evoluírem para uma conjuntura propícia ao surgimento dos partidos populistas e anti-sistema, que defendem que os políticos são todos corruptos – à semelhança do que aconteceu em países como a Holanda”.

Muito dos problemas agora surgidos radicam no actual modelo de funcionamento das grandes autarquias, observa o politólogo Manuel Meirinho, que para levar a sua função “se desdobraram em extensões empresariais não sujeitas a fiscalização”. O resultado está à vista, mas o modelo mantém-se, “acarinhado por todas as forças políticas por via da proliferação de cargos que gera para as clientelas partidárias”. Chegados ao “total descrédito dos agentes políticos”, seria de esperar que alguém – além do Bloco de Esquerda*, que já o fez – avançasse para o pedido de eleições. O que não acontece por razões de agenda política e também porque pegar numa autarquia endividada e com apenas ano e meio de mandato pela frente “pode ser suicidário”.

Talvez fosse altura de os partidos pensarem mais no interesse geral, de darem sinais positivos e apresentar rapidamente alternativas à sociedade civil. Mesmo sabendo das dificuldades do próximo mandato, não deviam ter uma atitude tão prudente em relação às eleições intercalares”, opina Costa Pinto.
Os cidadãos são os que menos contam nisto tudo, e não devia ser assim”, critica Meirinho. “Deve estar-se sensível à sociedade lisboeta – o que não tem acontecido”, diz também o especialista em sistema de governação de Lisboa “extremamente fragmentada, desconexa e sem projecto, que fica mais facilmente à mercê dos lobbies”.


In Público, 22.02.2007

* Numa análise que consideramos extremamente lúcida, e que é um importante contributo para a compreensão da situação da Câmara Municipal de Lisboa, deixamos apenas uma pequena nota, que é o facto de não ser obviamente o Bloco de Esquerda, o único agente político a pedir eleições intercalares, dado que o vereador Rui Paulo Figueiredo, tem vindo, a assumir o desejo de eleições intercalares, em diversas ocasiões, constituindo este blog um testemunho desse facto.

2 comentários:

Anónimo disse...

É bastante óbvio que esta situação criada por Carmona Rodrigues e o PSD é patética pois o apego pelo poder está a tornar a gorvernabilidade da CML insustentável,não é credivel que em dois anos de mandato que faltam a este executivo consiga levar até ao fim o programa pelo o qual foi eleito.

Anónimo disse...

Realmente o estado a que isto chegou. Dá que pensar... Eu um humilde cidadão do mundo, com o infortúnio de viver e trabalhar para Lisboa (que até há bem pouco tempo o tinha como fortuna e orgulho), educado sob o lema: "O dever comunitário antes do benefício próprio), sempre desrespeitei o velho jargão "os políticos são um nojo". Neste momento, após 40 anos de vida, ao deparar-me com a situação que Lisboa está a viver, pensei: aqui está o exemplo emblemático que leva o comum dos portugueses a pensar mal dos políticos. O PSD não quer dar o braço a torcer, porque a nível nacional está na oposição e com a demonstração do erro, perde hipóteses nas próximas legislativas. O executivo camarário, não quer deixar o poder político porque assim caem as centenas de rapazes que o CV, que têm para mostrar é idêntico ao dos novos vereadores da máquina partidária (pelo que li ontem na imprensa um deles apenas cortou queijo e fiambre num minimercado, algures na Costa vicentina e o outro acabou o curso à pressa no ano passado, e os "padrinhos" lá o encaixaram numa junta de freguesia e depois na "Cambra Municipal"). A oposição atira foguetes, mas não quer dar o passo de deixar cair o executivo, porque ano e meio de uma casa que está a passar uma gestão dificil, não dá para "fazer figura". e a cidade vai degradando, caindo. O mastodonte que é a equipa de trabalhadores da casa, vai olhando para o barco sem leme: os vermes do grupo vão aproveitando para ainda fazerem menos, os que ainda faziam começam a parar pela falta de humildade dos "rapazolas" ligados à máquina. E isto de quem já deu muitos dias e muitas noites por amor à cidade, e se vê coordenado pelas "mentes brilhantes" de quem nunca provou, estudou ou experimentou trabalhar e começa logo a mandar, também cansa. E assim vai a Capital da nação :(. Como não tenho vocação para pessimista e porque a educação que tive também me ensinou que a política deve ser uma coisa nobre e de respeito, ainda tenho a réstia de esperança que aqui está uma situação que todas as facções politicas que compõe a CML têm para demonstrar que ser politico é isso mesmo: jogos políticos são para se fazer em tempo de paz! Na situação de crise presente, a solução é unilateralmente encontrarem a solução para a crise, numa única voz! É MOSTRAR O QUE DÁ JUZ AO NOME POLÍTICO!
- Ao PSD: haja humildade para reconhecer o erro da opção tomada (monitorizem com olhos de ver toda a rapaziada que anda pela Câmara e que é só para fazer o jeito aos papás, padrastos ou padrinhos).
- Ao Professor Carmona: prove que uma vida dedicada ao “Fósforo” vale mais que a submissão e à pressão política, foi esta a imagem que se vendeu e deu rumo à vitória, não foi?, então ?
- À oposição: Ceder um bocadito e por as mãos na massa sem pensar nos dividendos que poderão advir para as próximas autárquicas.
-Se as empresas municipais são necessárias para melhorar a eficácia da prestação do serviço à comunidade, ponham à frente gente com provas dadas no mercado de trabalho (eu pessoalmente não acredito nelas, mas deve-se dar sempre a mão à palmatória :)...)
A cidade é linda, a cidade merece e nem sabem o gozo que dá pegar em alguma coisa que se encontra de rastos e dar-lhe um rumo (Salvaguardando as dimensões, eu já o fiz, não tirei dividendos materiais da coisa, mas o bem que me fez em termos de realização pessoal compensou tudo). Políticos, Intelectuais, Juristas, Engenheiros desta cidade uni-vos e demonstrai o que é o dever de cidadania!!!!